As fotos de hoje foram tiradas na temporada que a peça Meu fez no Teatro Joaquim Cardozo em novembro de 2009. Em cenas que evocam aspectos caros ao universo da poesia contemporânea, Meu traz toques de realismo fantástico (o homem que tem orgasmos a cada 30 minutos, a mulher que controla os mergulhos de um peixe dourado num aquário) e evidencia o cinismo, a amargura e um certo niilismo, que parecem explicar as razões de uma persistente incomunicabilidade na abundância de possibilidades de comunicação desta estranha época em que vivemos. O Amor (aquele incondicional e avassalador, não essa mistura de paixão, apego e cobrança que insistimos em chamar de amor) parece inviabilizado justamente nessa dificuldade de comunicação, na dificuldade de perceber o outro e seu modo de ver o mundo e os sentimentos. Interpretados com economia de gestos e emoções, os personagens parecem presos em suas próprias visões de mundo e expectativas sobre a vida: não conseguem abrir mão de nada e, por conta disso, não têm os braços livres para abraçar o novo. É óbvio que "Meu" fala do ego, mas, mais do que isso, fala da persistência da crença de que precisamos ser donos uns dos outros, quando sequer conseguimos ser donos de nós mesmos. Ainda que se perceba que os atores poderiam ampliar seu domínio sobre a ação (o minimalismo nas interpretações não exclui a necessidade de presenças mais intensas) e a despeito da necessidade de um teatro um pouco maior e melhor equipado que valorize o jogo de proximidades e distanciamentos entre os personagens, Meu é um trabalho criativo, singular e até paradoxal, na medida em que vemos tanta força (até bruta) ser transmitida sob viezes de tanta delicadeza e poesia. Na direção, Marcelo Oliveira. No elenco, Eduardo Rios, Elis Costa e Marcelle Tartas.
domingo, março 07, 2010
Satisfação
Caríssimos visitantes deste blog, passei quase dois meses sem postar nada por conta da absoluta e necessária imersão nas atividades de realização da minissérie Stufana, atividade de conclusão do segundo semestre de 2009 dos Grupos de Estudos de Dramaturgia e do Trabalho do Ator do Projeto TelaTeatro (Fundação Joaquim Nabuco). Estou com muito material de vários espetáculos (Greta Garbo, Meu, A dona da história e muitos outros) que postarei a partir de hoje, às 21h. Ah, e aproveitem para dar uma olhada no blog da minissérie clicando aqui. Até mais tarde.
segunda-feira, janeiro 18, 2010
Playdog
Playdog é o título do espetáculo nascido na versão 2009 do projeto Aprendiz em Cena, promovido pelo Centro Apolo-Hermilo. Playdog estreou em novembro daquele ano com a participação de três experientes e reconhecidos atores locais: Auricéia Fraga, Cleyton Cabral e Pascoal Filizola. A peça reúne ótimos três textos: um quadro de "Teatro pretensioso", de Carlos Bartolomeu (PE); "A refeição", de Newton Moreno (PE/SP); e "Lesados", de Rafael Martins (CE). Os jovens encenadores desta versão do projeto são Rafael Barreiros, Rodrigo Cunha e Alisson Castro, que também assinaram a cenografia. A orientação geral foi do encenador Carlos Bartolomeu. Em entrevista ao jornal Diário de Pernambuco, Lúcia Machado, coordenadora geral do Festival de Teatro e diretora do Centro Apolo-Hermilo, afirma que o Aprendiz em Cena é o projeto mais trabalhoso daquela instituição, "mas é o que mais excita, pelo desafio que representa. Precisamos assumir o risco, algo inevitável na arte". E os aprendizes se arriscaram. E que bom que o fizeram. Quem tem medo de errar não avança e, se a peça traz seus deslizes, como um espaço cênico confuso e a dificuldade de fazer a ação servir a esse espaço, também ousa no modo como trata a aparentemente desgastada figura do "clown". O título da peça alude à "vida de cão" que é o jogo (play) cotidiano contemporâneo, o qual remete de imediato à imagem do palhaço (não é a toa que são três clowns que dão vida aos textos da encenação). Mais do que nunca é evidente o quanto o palhaço nos espelha e o adjetivo "absurdo" explode como o que melhor se aplica às ações que vemos desdobrar-se à nossa volta e, consequentemente, dentro de nós. A peça traz influências da narrativa cinematográfica (fragmentação, "closes", trilha climática) e, por vezes, parece citar - e desconstruir - universos como o de Chaplin e Fellini, povoados por personagens que vão da candura à mais tórrida paixão, como Carlitos ou aqueles interpretados pela musa do mestre italiano, Giulieta Massina. Os três atores protagonizam cenas que parecem reboots desconcertantes e apimentados dos universos de obras como "A estrada da vida" e "Em busca do ouro", indo além da dança entre o grotesco e o sublime para ir-e-vir entre a dor e o encantamento, a repulsa e o desejo, o êxtase e o estupor. Playdog exibe transa de essências, ecos de cinema despindo-se no palco, metáforas do apocalipse doméstico desenhadas pela ação de atores corajosos. Gostei do que vi e senti. E muito.
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