Impossível não sair cantarolando esse já clássico refrão depois de assistir Avoar, cuja montagem comemorativa (20 anos de estréia da encenação do querido diretor pernambucano José Manoel) estreou ontem no Teatro Armazém. Escrita por Vladimir Capella, reúne em cena, mais uma vez, Carlos Lira, Célio Pontes, Cira Ramos, Flávio Santos, Ivone Cordeiro, Otacílio Jr. e Rudimar Constâncio. Sim, quase todos os integrantes do elenco original voltaram ao palco para reviver os papéis que fizeram há duas décadas. Digo quase, porque Paulo de Pontes e Kátia Cris não puderam participar por que hoje moram longe do Recife (no lugar deles, Daniela Travassos), Paulinho em Sampa e Kátia em Cajazeiras (PB).
Mais atual do que quando estreou (há vinte anos Recife não era tão violenta quanto hoje), a peça fala da possibilidade de se abandonar o individualismo sombrio e introspectivo a que parece nos induzir a vida nas metrópoles. Avoar rememora o gosto pelo brincar puro e simples, que já nasce conosco e não custa nada - mas pode ser esquecido, sufocado nos labirintos de concreto, medo e solidão. Bom registrar que esse espetáculo, pela sua poesia, beleza, força e simplicidade, marcou meus primeiros anos como ator - nunca tinha chorado de emoção numa peça infantil até assistir Avoar. Se os anos não parecem ter passado para o elenco, a montagem está enxuta, vívida, segura, apesar de sofrer com a atual precariedade das instalações do Armazém, o maior e mais importante teatro alternativo do Recife. E me pergunto o que está acontecendo ali? Onde está o apoio àquela mulher batalhadora, a atriz e produtora Paula de Renor, que criou e manteve por tanto tempo esta sala de espetáculos que, infelizmente, hoje parece parada no tempo no espaço?
Morei dois anos na Bahia e me chamou a atenção a discrepância entre os teatros recifenses e a estrutura teatral que Salvador tem hoje. Comparados com as salas de espetáculo de lá - numerosas, bem cuidadas e equipadas - os nossos poucos teatros de médio porte chegam a fazer vergonha. Em Salvador existem pelo menos dois complexos culturais ligados à cena, como o Teatro Vila Velha e o Teatro XVIII, com espaços múltiplos, sempre lotados, programação intensa (espetáculos, cursos, oficinas, grupos residentes) e bem divulgada o ano todo. Salvador tem várias salas de formatos e tamanhos variados espalhadas pela cidade, como as do SESC, SESI, ACBEU, ICBA, Xisto Bahia, Aliança Francesa e o recentemente inaugurado Teatro Martim Gonçalves (UFBA), dentre outras tantas, incluindo (ótimos) teatros de grandes escolas e universidades particulares.
O fato é que é preciso lembrar sempre que Teatro não pode dar o mesmo tipo de lucro que outras atividades artísticas. O lucro do teatro - incalculável, diga-se de passagem - se reflete na dinâmica da construção de cidadãos e no fortalecimento de nossa identidade enquanto povo. Um povo que se crê fraco não tem força para sonhar e realizar alto, fica só na falácia, na hipocrisia, corrompe-se com facilidade, morre em vida. Para evitar tudo isso, qualquer investimento para se apoiar o Teatro vale a pena, desde que se saiba o que realmente se quer de um povo. Já não chega dessa agonia? Se nosso empenho diário enquanto artistas nunca terá fim, isso não impede que tentemos achar modos de reconquistar público, políticos e empresários, cutucar esse povo mortificado e iludido com tanta aparência vazia, sair da dor que não nos pertence e fazer festa. Enfim, reaprender a avoar.


