Simples, despretensiosa, honesta, viva, bem humorada, delicada, intensa, emocionante. Esses adjetivos valem tanto para a peça Meu caro amigo quanto para a atriz que a protagoniza, Kelzy Ecard. Escrita por Felipe Barenco, dirigida por Joana Lebreiro e com direção musical de Marcelo Alonso Neves, a peça mostra como a vida de Norma, uma brasileira comum, se mistura com o imaginário musical criado por Chico Buarque de Holanda. Acompanhada pelo piano esperto de João Bittencourt, a personagem canta (muito bem) algumas das mais belas músicas de Chico, alinhavadas à história dela com tal maestria que nos perguntamos se não estamos diante de uma biografia disfarçada. Através dessa professora humaníssima que, por isso mesmo, estabelece rapidamente uma proximidade quase doméstica em relação à platéia, constatamos o quanto as músicas desse carioca de olhos azuis compuseram a trilha sonora de muitos momentos marcantes das vidas de todos nós. Impossível assistir sem deixar rolar algumas lágrimas, especialmente quem viveu nos 60, 70 e 80. Meu caro amigo está circulando o país graças à Petrobrás e teria sido ótimo se o trabalho pudesse ter mais récitas por aqui. A peça esgotou antecipadamente a lotação dos seus dois dias de apresentações, fato raríssimo no Recife para uma produção sem "artistas globais".
sábado, novembro 14, 2009
domingo, novembro 08, 2009
Cordel do amor sem fim
Agrinez Melo, Monalize Mendonça e Naná Sodré voltaram aos palcos, desta vez longe da cabine de luz. Nas mãos hábeis do encenador Samuel Santos, ampliaram os limites da empresa delas (O Poste Soluções Luminosas, especializada na iluminação de espetáculos) e, (boas) atrizes que também são, estão saciando o desejo de representar juntas. Para isso convidaram o ator Thomaz Aquino e escolheram o belo texto da baiana Cláudia Barral, Cordel do Amor sem Fim. Jovem autora que ainda nem completou trinta anos, Barral brinca com o tempo e o espaço na cena ao contar a história das irmãs Carminha, Madalena e Tereza e mostrar a relação de cada uma com o amor e a vida.
Amores distantes, perdidos, negados e encontrados são expostos no texto premiado pela FUNARTE em 2003, que Samuel montou a partir de dezenas de referências vinculadas ao imaginário interiorano e suas conexões com a urbanidade contemporânea. Se a expressão "colcha de retalhos" pode lembrar fragmento e desordem, nesta encenação ela sugere a beleza e a harmonia que também permeiam o caos aparente. Esfuziante, lúdica, ora vivaz, ora melancólica, Cordel é uma peça para se degustar como se lê uma poesia escrita num mundo de quatro dimensões.
A preparação vocal do cantor lírico Sebastião Câmara e a trilha sonora de Josias Albuquerque sublinham a impressão de estarmos sonhando acordados, imersos em algum lugar-não-lugar onde as leis físicas são subvertidas e signos emergem pontuando cenas e ampliando a possibilidade de leituras sobre o que vemos.
Ironicamente, apesar da prática e empenho d'O Poste, a iluminação do espetáculo se viu amesquinhada pelas restrições do espaço da Compassos (importante, ativa e essencial companhia de danças de Recife). Se por um lado há que se louvar que haja artistas capazes de criar e manter um espaço alternativo e precioso como o da Compassos, onde assisti a peça, por outro há que se lamentar a crônica falta de espaços melhor equipados na cidade, capazes de comportar propostas como a deste Cordel do Amor sem fim e de outras tantas companhias que penam quando querem exercitar vôos mais altos na área da tecnologia da cena.
Não me refiro a grandes e dispendiosas salas. Podiam ser pequenos teatros bem estruturados. Muitos deles! Por que não? Já foi mais do que constatado que a prática teatral tem efeito benéfico na auto-estima da comunidade. Salvador tem dezenas de pequenas salas em funcionamento e bem administradas. Salvador é ali! É Nordeste também. Mas lá a galera, ainda que tão competitiva quanto a nossa, está melhor organizada, mais unida, tem uma Escola de Teatro como fórum de reflexão. Sem falar que, convenhamos, há muitos empresários e políticos baianos que apostam em artistas baianos - e ganham.
Aqui seguimos com nossos velhíssimos problemas e (maus) costumes ainda pedindo novas soluções. É complicado. Cada vez mais parecemos reféns de fomentos e patrocínios, competindo pelas brechas que nos abrem. Deve haver saídas para se ampliar esse funil de sonhos. Não quero acreditar que só nos reste simplesmente fazer como Tereza faz com o amor da vida dela em Cordel do Amor sem fim. Isso fica lindo e arrebatador no contexto da peça, mas na dureza deste mundo tridimensional, não leva a lugar nenhum.
Cordel do amor sem fim está em cartaz todas as sextas até o final de novembro, às 19h, no espaço da Compassos Cia. de Danças (Rua da Moeda, 93, 1º andar, Bairro do Recife). Entrada franca.
Amores distantes, perdidos, negados e encontrados são expostos no texto premiado pela FUNARTE em 2003, que Samuel montou a partir de dezenas de referências vinculadas ao imaginário interiorano e suas conexões com a urbanidade contemporânea. Se a expressão "colcha de retalhos" pode lembrar fragmento e desordem, nesta encenação ela sugere a beleza e a harmonia que também permeiam o caos aparente. Esfuziante, lúdica, ora vivaz, ora melancólica, Cordel é uma peça para se degustar como se lê uma poesia escrita num mundo de quatro dimensões.
A preparação vocal do cantor lírico Sebastião Câmara e a trilha sonora de Josias Albuquerque sublinham a impressão de estarmos sonhando acordados, imersos em algum lugar-não-lugar onde as leis físicas são subvertidas e signos emergem pontuando cenas e ampliando a possibilidade de leituras sobre o que vemos.
Ironicamente, apesar da prática e empenho d'O Poste, a iluminação do espetáculo se viu amesquinhada pelas restrições do espaço da Compassos (importante, ativa e essencial companhia de danças de Recife). Se por um lado há que se louvar que haja artistas capazes de criar e manter um espaço alternativo e precioso como o da Compassos, onde assisti a peça, por outro há que se lamentar a crônica falta de espaços melhor equipados na cidade, capazes de comportar propostas como a deste Cordel do Amor sem fim e de outras tantas companhias que penam quando querem exercitar vôos mais altos na área da tecnologia da cena.
Não me refiro a grandes e dispendiosas salas. Podiam ser pequenos teatros bem estruturados. Muitos deles! Por que não? Já foi mais do que constatado que a prática teatral tem efeito benéfico na auto-estima da comunidade. Salvador tem dezenas de pequenas salas em funcionamento e bem administradas. Salvador é ali! É Nordeste também. Mas lá a galera, ainda que tão competitiva quanto a nossa, está melhor organizada, mais unida, tem uma Escola de Teatro como fórum de reflexão. Sem falar que, convenhamos, há muitos empresários e políticos baianos que apostam em artistas baianos - e ganham.
Aqui seguimos com nossos velhíssimos problemas e (maus) costumes ainda pedindo novas soluções. É complicado. Cada vez mais parecemos reféns de fomentos e patrocínios, competindo pelas brechas que nos abrem. Deve haver saídas para se ampliar esse funil de sonhos. Não quero acreditar que só nos reste simplesmente fazer como Tereza faz com o amor da vida dela em Cordel do Amor sem fim. Isso fica lindo e arrebatador no contexto da peça, mas na dureza deste mundo tridimensional, não leva a lugar nenhum.
Cordel do amor sem fim está em cartaz todas as sextas até o final de novembro, às 19h, no espaço da Compassos Cia. de Danças (Rua da Moeda, 93, 1º andar, Bairro do Recife). Entrada franca.
domingo, outubro 25, 2009
Encruzilhada Hamlet
Edjalma Freitas e Henrique Ponzi interpretam respectivamente o coveiro e Hamlet, personagens que compartilham a mesma cova na peça Encruzilhada Hamlet, escrita e dirigida por João Denys de Araújo Leite, que também assina a cenografia e os figurinos do espetáculo. Príncipe e vassalo em suas visões opostas, cruzam caminhos nos domínios da morte, revisando e confrontando a complementaridade de suas existências. Um trabalho desconcertante que reafirma o talento de Denys como grande encenador e contador de histórias, mantendo seus dois atores num cubículo e projetando a ação para além da restrição espacial explicitada pela cenografia. Assim, longe de ser enfadonho, Encruzilhada Hamlet leva a platéia a tomar como ponto de partida a impressão primeira e recorrente da imobilidade típica da morte para depois, aos poucos, deixar que cada espectador se depare com a constatação de que a vida verdadeira só se manifesta em gozo, unidade, infinitude, luz e transcendência. Certamente que algumas metáforas contidas na peça podem ser incômodas. Num mundo que oferece tantas possibilidades de nos agarrarmos a ilusões de estabilidade, é difícil aceitar ver que é possível morrer em vida pelo simples fato de se deixar imobilizar pelas circunstâncias. Belo trabalho.
Coordenação de produção de Edjalma Freitas, preparação de corpo de Miriam Asfora, iluminação de Saulo Uchoa, maquiagem de Marcondes Lima, preparação vocal de Rose Mary Martins e trilha sonora de Naná Vasconcelos.
Coordenação de produção de Edjalma Freitas, preparação de corpo de Miriam Asfora, iluminação de Saulo Uchoa, maquiagem de Marcondes Lima, preparação vocal de Rose Mary Martins e trilha sonora de Naná Vasconcelos.
segunda-feira, outubro 12, 2009
A arte do brincador
A arte do brincador é o título do livro do querido multiartista Marcondes Lima que, ao analisar o sistema de representação utilizado pelos artistas do Mamulengo e do Bumba-meu-Boi, contribui para que esse saber possa ganhar mais espaço como recurso de aprendizagem e de valorização do indivíduo e das experiências coletivas, tanto nas escolas quanto além delas. A obra baseia-se na dissertação de mestrado que o autor desenvolveu na UFBA e foi lançada sábado passado (11/10) pelo SESC-Piedade, dentro da Terceira Mostra SESC de Teatro de Formas Animadas. Vale dizer que a referida Mostra está homenageando o Mão Molenga Teatro de Bonecos, importante grupo local do qual Marcondes foi um dos fundadores, juntamente com sua mulher, a jornalista e videasta Carla Denise (na terceira imagem, ao lado da arte-educadora Kyara Muniz, colaboradora frequente do Mão Molenga), o ator e arte-educador Fábio Caio e a psicóloga e arte-educadora Fátima Caio. Exímios bonequeiros, você pode saber mais sobre esses artistas geniais em outro post aqui do Liperama: basta clicar aqui. Nas demais fotos, aspectos da exposição sobre o Mão Molenga montada pelo SESC-Piedade, com alguns dos bonecos do grupo, inclusive os belos personagens feitos com barbante para a ainda inédita montagem de "O fio mágico".
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domingo, outubro 11, 2009
Apareceu a Margarida!
Na verdade apareceram três Margaridas. É que, na proposta do encenador José Francisco Filho, três atores se desdobram para dar corpo à neurótica, ensandecida, assustadora e, sobretudo, gozadíssima professora da obra de Roberto Athayde. Aqui ela é interpretada pelos endiabrados Aurino Xavier, Eduardo Japiassu e Flávio Luiz. O texto é de 1973 e celebrizou-se por usar o universo da sala de aula para expor o autoritarismo do regime militar. É verdade que, apesar dos cuidados da produção e direção, o texto ainda soa datado como exposição de um contexto. Contudo, visto como uma metáfora sobre a dinâmica da "formação de opinião" que se generaliza através dos meios de comunicação, é extremamente atual. Assim, mesmo que possa aparentar ser apenas um pretexto para instantes de diversão descompromissada propiciada pelo talento dos comediantes da Trupe, a força do seu conteúdo deixa muito o que pensar. A produção é da Trupe do Barulho, grupo que em 2009 completou 18 anos. A peça também conta com a participação especial do ator Jô Ribeiro e está em cartaz no Teatro do Parque, às sextas, 20h.
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